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" No Azul--qual uma esfinge--eu reino Indecifrada. " [Baudelaire]

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

e assim você me vê:
mosaico segregado
pelo avesso arregaçado

lua nova invertida
dissolvida, inacabada
aberta e não casta

que orbita em sóis longínquos
de zinco
azulados

adornada por miçangas estrelares
e asteróides rutilantes

com lânguidos enfeites de um astro
desalmado - nacarado - apaixonante
que nem mesmo sei o nome
 ~ Adriana Gil
Imagem: Matisse

domingo, 11 de dezembro de 2011

eis que oscilo
- entre musa e cortesã

e sinto
pressinto
finjo

do azul ao avelã

o desejo de poder
no sobejo do teu ser
minha sombra refletir
[ a Romério Rômulo Campos Valadares - poeta, amigo, muso ]
 ~ Adriana Gil

fogo de oroboro cintilado
o azul que há no encarnado
o desejo que amarra a alma minha
 
palíndromo alado
vai e vem ritmado
tua face sombria

[a Carlos Moreira]
 ~ Adriana Gil

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Resistir

Dobrar na boca o frio da espora
Calcar o passo sobre lume
Abrir o pão a golpes de machado
Soltar pelo flanco os cavalos do espanto
Fazer do corpo um barco e navegar a pedra
Regressar devagar ao corpo morno
Beber um outro vinho pisado por um astro

Possuir o fogo ruivo sob a própria casa
numa chama de flechas ao redor.
[Joaquim Pessoa, in O Pássaro no Espelho]

A vida é combate, que os fracos abate, que os fortes, os bravos só pode exaltar!




I
Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.

II
Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou tapir.

III
O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves concelhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!

IV
Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!

V
E pois que és meu filho,
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro,
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.

VI
Teu grito de guerra
Retumbe aos ouvidos
D'imigos transidos
Por vil comoção;
E tremam d'ouvi-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão.

VII
E a mão nessas tabas,
Querendo calados
Os filhos criados
Na lei do terror;
Teu nome lhes diga,
Que a gente inimiga
Talvez não escute
Sem pranto, sem dor!

VIII
Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranqüilo nos gestos,
Impávido, audaz.

IX
E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.

X
As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.
  


[Gonçalves Dias, in Canção do Tamoio - Natalícia]

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Esta é a Forma Fêmea


Coryanthes speciosa: as flores das orquídeas do gênero Coryanthes, continuamente secretam um líquido que se deposita em um recipiente formado por seu labelo. Ao tentar coletar este líquido os insetos caem dentro do labelo e somente podem sair por pequena abertura. Ao passar por este estreito espaço levam as polínias em suas costas.
[
http://pt.wikipedia.org/wiki/Coryanthes]



Esta é a forma fêmea:
dos pés à cabeça dela exala um halo divino,
ela atrai com ardente
e irrecusável poder de atração,
eu me sinto sugado pelo seu respirar
como se eu não fosse mais
que um indefeso vapor
e, a não ser ela e eu, tudo se põe de lado
— artes, letras, tempos, religiões,
o que na terra é sólido e visível,
e o que do céu se esperava
e do inferno se temia,
tudo termina:
estranhos filamentos e renovos
incontroláveis vêm à tona dela,
e a acção correspondente
é igualmente incontrolável;
cabelos, peitos, quadris,
curvas de pernas, displicentes mãos caindo
todas difusas, e as minhas também difusas,
maré de influxo e influxo de maré,
carne de amor a inturgescer de dor
deliciosamente,
inesgotáveis jactos límpidos de amor
quentes e enormes, trémula geléia
de amor, alucinado
sopro e sumo em delírio;
noite de amor de noivo
certa e maciamente laborando
no amanhecer prostrado,
a ondular para o presto e proveitoso dia,
perdida na separação do dia
de carne doce e envolvente.

Eis o núcleo — depois vem a criança
nascida de mulher,
vem o homem nascido de mulher;
eis o banho de origem,
a emergência do pequeno e do grande,
e de novo a saída.

Não se envergonhem, mulheres:
é de vocês o privilégio de conterem
os outros e darem saída aos outros
— vocês são os portões do corpo
e são os portões da alma.

A fêmea contém todas
as qualidades e a graça de as temperar,
está no lugar dela e movimenta-se
em perfeito equilíbrio,
ela é todas as coisas devidamente veladas,
é ao mesmo tempo passiva e activa,
e está no mundo para dar ao mundo
tanto filhos como filhas,
tanto filhas como filhos.
Assim como na Natureza eu vejo
minha alma refletida,
assim como através de um nevoeiro,
eu vejo Uma de indizível plenitude
e beleza e saúde,
com a cabeça inclinada e os braços
cruzados sobre o peito
— a Fêmea eu vejo.


[Walt Whitman, in Leaves of Grass]

O Amor que Move o Sol e as Demais Estrelas

[O Empíreo da Divina Comédia ilustrado por Gustave Doré]



" A l'alta fantasia qui mancò possa;
ma già volgeva il mio disio e 'l velle,
sì come rota ch'igualmente è mossa,

l'amor che move il sole e l'altre stelle ".



[Dante Alighieri, in Paradiso - Canto XXXIII - Terceira e última parte da Divina Comédia]






*Tradução:

“ À alta fantasia aqui faltaram forças;
mas já movia o meu desejo e as minhas velas,
como roda que também é movida,

o amor que move o sol e as demais estrelas ”.




**Nota: O empíreo estava, assim, usado como um nome para o firmamento, e na literatura cristã, notavelmente na Divina Comédia, para a morada de Deus e os abençoados, e como fonte de luz e criação. A palavra é usada tanto como um substantivo e como adjetivo. Tendo a mesma origem grega são as palavras científicas empyreuma e empireumático, aplicada ao cheiro característico da queima ou carbonização de matéria vegetal ou animal.

Vertigem

[Imagem: Cartier Bresson]



Quando sob o meu
está o teu corpo
e eu nado dentro
do desejo e enlaço

os teus ombros as ancas
e o dorso
enquanto o espasmo se faz
num outro abraço

Desprendo a boca
depois
no grito solto

Mordo-te os pulsos
ambos
no orgasmo

Volto ao de cima
da água
do meu gosto

Bebo-te a vertigem
e em seguida o hálito


[Maria Teresa Horta]



A Vida




Na terra feracíssima
Aonde a Natureza opera, nos covais,
Ouvem-se as saudades
Aos molhos
Criando os versos imortais
Das lágrimas nos olhos.

E sempre esta saudade,
Esta saudade imensa!

Enquanto a sua Flor em tudo canta,
Olorosa, e humilde, e sacrossanta,
Flor-pensamento, a violeta pensa:

Que por cima de tudo,
De todos nós,
De toda a planta,
De toda a flor
Em-flor aberta,
A espalhar sementes pela terra
Anda o criador
- O girassol
Do Sol.



[Emiliano da Costa, in Intimidade]




Crespúsculo



É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
Quando a noite se destaca
da cortina;
Quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
Quando a força de vontade
ressuscita;
Quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
E quando às sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz lívida, a palavra
despedida.


[David Mourão-Ferreira]




Da Minha Vida à Tua



Da minha vida à tua um arco se retesa, uma flecha parte,

e um animal é sacrificado em nome do que é justo, e do

que é frágil: a água e o amor.

Da minha vida à tua um barco se revela, uma vela se

solta, e o silêncio se eleva à tempestade sobre a pele, sobre

as penas sublimes, sobre os sonhos dispersos.



Da minha vida à tua um tempo se renova, um salmo se

repete, uma claridade alastra, o corpo se suspende. E o

sofrimento se deslumbra.


Da minha vida à tua o relâmpago, a ave, a seda, as

sombras da floresta, se encontram, se perdem, se revesam. E

os segredos permanecem.


Da minha vida à tua uma só raiz se adensa, o pólen nos

pertence, o sol nos surpreende. Os medos se dissolvem.

E os mais pequenos nadas se engrandecem.



[Dia 227 - Joaquim Pessoa, in Ano Comum - Livro a publicar]



Quase



Um pouco mais de sol - eu era brasa.
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...


[Mário de Sá-Carneiro]



Madrigal



Toda a manhã
fui a flor
impaciente
por abrir.

Toda a manhã
fui ardor
do sol
no teu telhado.

Toda a manhã
fui ave
inquieta
no teu jardim.

Toda a manhã
fui ave ou sol ou flor
secretamente
ao pé de ti.


[Eugénio de Andrade]



E Por Vezes...

[René Magritte - Os Amantes - 1928]



E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.



[David Mourão-Ferreira]



Recomeça



Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
Sempre a sonhar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde com lucidez, te reconheças.


[Miguel Torga]



terça-feira, 27 de setembro de 2011

Até Amanhã



Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.

É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.

É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.


[Eugénio de Andrade]





Desperta-me de noite
o teu desejo
na vaga dos teus dedos
com que vergas
o sono em que me deito

É rede a tua língua
em sua teia
é vício as palavras
com que falas

A trégua
a entrega
o disfarce

E lembras os meus ombros
docemente
na dobra do lençol que desfazes

Desperta-me de noite
com o teu corpo
tiras-me do sono
onde resvalo

E eu pouco a pouco
vou repelindo a noite
e tu dentro de mim
vai descobrindo vales.



[Maria Teresa Horta, in Poesia Reunida]



Visita-me Enquanto Não Envelheço

[Jeanne Hébuterne com camisola amarela de Modigliani]



visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado

tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores

ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos

antes que desperte em mim o grito
dalguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro

perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água

com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te


[Al berto, in Salsugem]



Tempo-Será

[Matisse - A Dança]


A Eternidade está longe
(Menos longe que o estirão
Que existe entre o meu desejo
E a palma de minha mão).

Um dia serei feliz?
Sim, mas não há de ser já:
A Eternidade está longe,
Brinca de tempo-será.


[Manuel Bandeira]





Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo
nem fazer explodir a madrugada nos teus olhos. Eu quero apenas amar-te lentamente como se todo o tempo fosse nosso como se todo o tempo fosse pouco como se nem sequer houvesse tempo. Soltar os teus seios. Despir as tuas ancas. Apunhalar de amor o teu ventre.


[
Joaquim Pessoa]


segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Enquanto Falavas

[Amor e Dor de Edvard Munch]


Enquanto falavas de um mar

derramei sobre o peito os escombros da casa

reconheci-te

nos alicerces devorados pelas raízes das palmeiras

na sombra da ave deslizando junto à parede

no foco de luz rompendo o tijolo onde estivera a chaminé

vivemos aqui

com o ruído dum cano ressumando água

até que o frio nos fez abandonar o lugar e o amor

não sei para onde foste morrer

eu continuo aqui... escrevo

alheio ao ódio e às variações do gosto e da simpatia

continuo a construir o relâmpago das palavras

que te farão regressar... ao anoitecer

há uma sensação de aves do outro lado das portas

os corpos caídos

a vida toda destinada à demolição

tento perder a memória

única tarefa que tem a ver com a eternidade

de resto... creio que nunca ali estivemos

e nada disto provavelmente se passou aqui

[Al berto, in O Medo - "O Esquecimento em Yucatán", 1982/83]