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" No Azul--qual uma esfinge--eu reino Indecifrada. " [Baudelaire]

domingo, 31 de julho de 2011

Muito Além do Mar de Lanzarote...

- “ Se eu tivesse morrido antes de te conhecer, Pilar, teria morrido sentindo-me muito mais velho. Aos 63 anos, a minha segunda vida começou. Não posso queixar-me. As coisas que você considera importantes não são tão importantes. Eu ganhei um Prêmio Nobel. E daí? “

[José Saramago]

Ah, Saramago, bem-aventurados - e amados - os que permitem-se uma segunda vez...

Hoje, em um domingo muito azul e sob o sol dos Trópicos, eu, aos meus 37 anos - um ano a mais do que tinha Pilar ao apaixonar-se por Saramago - depois de muitos desejos e desencontros, consegui, por fim, assisti ao filme, ‘Jose & Pilar’. E, não resta dúvida, trata-se o filme de uma belíssima e emocionante Ode ao Amor.

O Mar da exuberante Ilha de Lanzarote fez-se palco para um dos mais arrebatadores amores de que eu já tive notícia em toda a minha existência.

Um amor que não se ofusca frente aos grandes e famosos enlaces da história. Dessa forma, o amor de José & Pilar, nada deixa a desejar se comparado aos ilustres amores. Sejam eles fictícios ou reais, que floresceram, por exemplo, entre Abelardo & Eloísa, Inês & Pedro, Romeu & Julieta, Orfeu & Eurídice, Sansão & Dalila, Ulisses & Penélope, Lancelot & Guinevere, Dante & Beatriz, Tristão & Isolda, Napoleão & Josephine, Jean Paul & Simone, Lennon & Yoko, Dali & Gala.

Pilar conheceu Saramago de maneira despretensiosa, com o objetivo de apenas tomar junto a ele um café e entrevistá-lo. O escritor foi ao encontro de sua futura amada em seu Hotel, onde, ao se olharem pela primeira vez - às quatro horas da tarde -, trocaram um cordial aperto de mãos e seguiram rumo ao Mausoléu de Fernando Pessoa, onde leram um fragmento do multifacetado Mestre.

Saramago e Pilar não contavam com as mil armadilhas da vida. Pois, a partir daquele encontro, sentiram-- à flor da pele e na carne viva--, que toda essa 'multifacetividade' não somente abarca e habita o âmago do ser de Poetas e Loucos.

A vida, algumas vezes, também traz consigo essas tais multifaces, de forma a fazer vir à tona toda a efervescência de um latente e borbulhante sentimento, que, sem reservas, transforma implacavelmente trajetórias e destinos. E assim a vida fez a Pilar e Saramago.

Às quatro horas da tarde, os relógios de Lanzarote pararam.

Nesse instante, consumou-se o encontro. O grande encontro. Quiçá, o infinito encontro.

Naquela tarde, o Tempo parava e rendia-se ao Amor.

Por esse motivo, todos os relógios na casa-museu de Saramago, em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, marcam 4 horas da tarde.

Pois fora o momento em que Saramago via pela primeira vez a jornalista sevilhana, María del Pilar del Río Sánchez, o grande amor da sua vida, no ano de 1986.

E toda ‘Trama Neuronial’ pungente, dilacerante, resistente, vã e cortante, sucumbia frente à uma ‘Trama Arterial’, fulgurante e infinita.

José & Pilar já eternizados em sua Ilha, agora, perpetuam-se, sobremaneira e de definitiva e extraordinária forma, junto à Sétima Arte e no azul pulsante, ardente e profundo de minha retina.

~ Adriana Gil, in Submersos Devaneios Meus no Mar de Lanzarote.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Mar meu. Sopro teu.

Sopro Azul em Mar do Sul
Mar - inexplicavelmente - revolto
Mar meu Sopro teu
Sinto-te e plano
Voas - Voo - Voamos

~ Adriana Gil, in Submersos Devaneios Meus em 'Mar Arável',

Ao Mar (...), Este Azulado Regalo: http://www.youtube.com/watch?v=WGPyl0Z5vbU

Entrelaça-te...

No tempo exato da matéria, tento te tocar sem pressa, de muito leve e amiúde. Desejando entrelaçar-te junto ao meu corpo. O toque espessado e quente e contínuo e úmido, deixar-te-á, para sempre, tatuado em mim. O tempo é isso. O tempo somos nós. O resto, é sempre o silêncio que nos transpassa, fala e cala.

~ Adriana Gil, in Submersos Devaneios Meus em Ádria.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Encontro

Os outros eu conheci

por ocioso acaso.

A ti vim encontrar

porque era preciso.


[Guimarães Rosa]


quinta-feira, 21 de julho de 2011

Para Ti...

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que falhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só olhar
amando de uma só vida.

[Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas]

sábado, 16 de julho de 2011

Casamento

Há mulheres que dizem:

Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,

de vez em quando os cotovelos se esbarram,

ele fala coisas como "este foi difícil"

"prateou no ar dando rabanadas"

e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa,

vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:

somos noivo e noiva.


[Adélia Prado, in Poesia Reunida]


quinta-feira, 14 de julho de 2011

A Mulher que Passa

Meu Deus, eu quero a mulher que passa
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me concontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacífica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.

[Vinícius de Moraes]

Toco a sua Boca


Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.

Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.

[Júlio Cortázar, in Rayuela – Capítulo 7]


quarta-feira, 13 de julho de 2011

O Minotauro

Em Creta
Onde o Minotauro reina
Banhei-me no mar

Há uma rápida dança que se dança em frente de um toiro
Na antiquíssima juventude do dia
Nenhuma droga me embriagou me escondeu me protegeu
Só bebi retsina tendo derramado na terra a parte que pertence aos deuses

De Creta
Enfeitei-me de flores e mastiguei o amargo vivo das ervas
Para inteiramente acordada comungar a terra
De Creta
Beijei o chão como Ulisses
Caminhei na luz nua

Devastada era eu própria como a cidade em ruína
Que ninguém reconstruiu
Mas no sol dos meus pátios vazios
A fúria reina intacta
E penetra comigo no interior do mar
Porque pertenço à raça daqueles que mergulham de olhos abertos
E reconhecem o abismo pedra a pedra anémona a anémona flor a flor
E o mar de Creta por dentro é todo azul
Oferenda incrível de primordial alegria
Onde o sombrio Minotauro navega

Pinturas ondas colunas e planícies

Em Creta
Inteiramente acordada atravessei o dia
E caminhei no interior dos palácios veementes e vermelhos
palácios sucessivos e roucos
Onde se ergue o respirar da sussurrada treva
E nos fitam pupilas semi-azuis de penumbra e terror
Imanentes ao dia –
Caminhei no palácio dual de combate e confronto
Onde o Príncipe dos Lírios ergue os seus gestos matinais

nenhuma droga me embriagou me escondeu me protegeu
O Dionysos que dança comigo na vaga não se vende em nenhum mercado negro
Mas cresce como flor daqueles cujo ser
Sem cessar se busca e se perde e se desune e se reúne
E esta é a dança do ser

Em Creta
Os muros de tijolo da cidade minóica
São feitos com barro amassado com algas
E quando me virei para trás da minha sombra
Vi que era azul o sol que tocava o meu ombro

Em Creta onde o Minotauro reina atravessei e vaga
De olhos abertos inteiramente acordada
Sem drogas e sem filtro
Só vinho bebido em frente da solenidade das coisas –
Porque pertenço à raça daqueles que percorrem o labirinto,
Sem jamais perderem o fio de linho da palavra

[Sophia de Mello Breyner , in Minotauro]

Aqui Eu Te Amo

Aqui eu te amo.

Nos escuros pinheiros se desenlaça o vento.
Fosforesce a lua sobre as águas errantes.
Andam dias iguais a perseguir-se.

Define-se a névoa em dançantes figuras.
Uma gaivota de prata se desprende do ocaso.
As vezes uma vela. Altas, altas, estrelas.

Ou a cruz negra de um barco.
Só.
Às vezes amanheço, e minha alma está úmida.
Soa, ressoa o mar distante.
Isto é um porto.
Aqui eu te amo.

Aqui eu te amo e em vão te oculta o horizonte.
Estou a amar-te ainda entre estas frias coisas.
As vezes vão meus beijos nesses barcos solenes,
que correm pelo mar rumo a onde não chegam.

Já me creio esquecido como estas velha âncoras.
São mais tristes os portos ao atracar da tarde.
Cansa-se minha vida inutilmente faminta..
Eu amo o que não tenho. E tu estás tão distante.

Meu tédio mede forças com os lentos crepúsculos.
Mas a noite enche e começa a cantar-me.
A lua faz girar sua arruela de sonho.

Olham-me com teus olhos as estrelas maiores.
E como eu te amo, os pinheiros no vento,
querem cantar o teu nome, com suas folhas de cobre.

[Pablo Neruda, in 20 Poemas de Amor e uma Canção Desesperada - Poema XVIII]

terça-feira, 12 de julho de 2011

O arfado espaço, onde o que está lavado se relava para o rito do espanto e do começo ...

O mar azul e branco e as luzidias
Pedras – O arfado espaço
Onde o que está lavado se relava
Para o rito do espanto e do começo
Onde sou a mim mesma devolvida
Em sal espuma e concha regressada
À praia inicial da minha vida.

[Sophia de Mello Breyner]

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O Dia Deu em Chuvoso

O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.

Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.

Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.

Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos? Afetos? São memórias...
É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.

Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer...
Quando foi isso? Não sei...
No azul da manhã...

O dia deu em chuvoso.

[Álvaro de Campos -
Heterônimo de Fernando Pessoa - in "Poemas"]

Parte-se em mim qualquer coisa . O vermelho anoiteceu ...

Parte-se em mim qualquer coisa. O vermelho anoiteceu.
Senti demais para poder continuar a sentir.
Esgotou-se-me a alma, ficou só um eco dentro de mim.
Decresce sensivelmente a velocidade do volante.
Tiram-me um pouco as mãos dos olhos os meus sonhos.
Dentro de mim há um só vácuo, um deserto, um mar noturno.
E logo que sinto que há um mar noturno dentro de mim,
Sabe dos longes dele, nasce do seu silêncio,
Outra vez, outra vez o vasto grito antiquíssimo.
De repente, como um relâmpago de som, que não faz barulho mas ternura.

Subitamente abrangendo todo o horizonte marítimo
Úmido e sombrio marulho humano noturno,
Voz de sereia longínqua chorando, chamando,
Vem do fundo do Longe, do fundo do Mar, da alma dos Abismos,
E à tona dele, como algas, bóiam meus sonhos desfeitos...

lvaro de Campos - Heterônimo de Fernando Pessoa - in Fragmento de 'Ode Marítima']