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" No Azul--qual uma esfinge--eu reino Indecifrada. " [Baudelaire]

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Toco a sua Boca


Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.

Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.

[Júlio Cortázar, in Rayuela – Capítulo 7]


3 comentários:

  1. Sem desmerecer um só instante a nossa bela e 'Última Flor do Lácio', o texto original, em Espanhol, é ainda mais arterial, pulsante e escarlate.

    A sonoridade da língua espanhola é arrebatadora...

    Para deleite, ei-lo:
    http://www.filesmap.com/mp3/5il/julio-cortazar-capitulo-7-rayuela/

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  2. Realmente o texto postado passa bastante paixão. Ótimo.

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  3. ...Entre um 'polo' e outro, Rayuela sempre aquece, ou arrefece, a depender da necessidade, ou, quem sabe, do desejo...

    Bem-aventurados os 'bipolares'...

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