__A__Z__U__L__

__A__Z__U__L__
" No Azul--qual uma esfinge--eu reino Indecifrada. " [Baudelaire]

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Poética

'Édipo e a Esfinge'
Pintura de Gustave Moreau - 1864



O verso sobretudo

Mas não apenas verso.

A página em branco

Mas nunca só papel.

A letra descarnada

Antes grávida palavra.

O ato – mítica caligrafia da palma da mão.


O som, o inaudível

Mas sempre quase ritmo.

O ruído da memória

Mas nada menos que sono.

A voz vibrando signo

Mas onde tudo grito.

O ar – úmido neurônio da canção.


A luz no entanto

Mas pouco mais que brilho.

O azul do astronauta

Mas não somente pássaro.

O arco da espessura branca

Mas quando muito o olho.

O umbigo – labiríntico berço da escuridão.


[ Eduardo Albuquerque © ]


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

TEMPO - TEMPO - TEMPO - TEMPO...

"Mãos Desenhando-se - Drawing Hands". Litografia de MC Escher - 1948 [http://letras.terra.com.br/caetano-veloso/44760/]
...Tinha uma cor encerada.

E os seus olhos - quase sem brilho - cortinados pela trama do tempo muito alva.

Por entre os dedos, a caneta hesitava em sua escrita.

Faltava-lhe firmeza.

Inevitável relembrar o que outrora fazia-se tão hábil.

Quando pelo papel deslizava sob impávidos movimentos harmoniosos e orquestrados.

Nos lábios, um longo suspiro atroz.

E algum lamento emudecido.

Não vi seu sorriso... Já não o tinha mais?

Na testa, um franzir dos descontentes, entediados e descrentes. Na memória da carne, vestígios de amor ateu, marginal e persistente.

Nas paredes, seus inseparáveis e coloridos talismãs.

Aquele era o Tempo. Que, sem remorso, esvaia-se impiedoso por aquelas - por agora - tão imprecisas mãos.

O tempo personificado frente aos meus perplexos olhos. Olhava-me Ele com ares de irremediável vacilo, paúra terçã, vergonha absoluta.

Demudado num corpo de indecifrável, decadente e indelével Esfinge.

No entanto, apesar do tempo, apesar de tudo, Aquela Casa mantinha imaculado o seu frescor. E, mais ainda, íntegros os seus rastros, emblemas, odores e traços... Delineados no cheiro que tinha aquele quintal. No bolo de milho a assar. No Menino que indo buscar o jornal, deslumbrava-se com a chuva que colorida escorria pelo vitral. E com as carambolas que pousavam a pintar o enlodado chão.

A cozinha com aromas de alho, coentro, fermento e sal. Raios de lua refletidos à beira do portal. Estórias de 'Comadre Florzinha'. Sabiá em sua gaiola a cantar.

Meninas rindo à toa. Panos de prato no varal. Cachorro manco e amuado. Papagaio ranzinza e pornográfico. Restos de um Carvanal. Crônicas em tom Outonal.

'Dama da Noite' a repousar sob o sol.

A sombra do fruta-pão.

Aromas de alecrim.

Nuances da flor do jasmim.

Lamento de lavadeira misturado à água fria e sabão.

Máquina de coser faltando um pedaço.

Estilhaços esquecidos do passado.

O gosto que tinha a romã.

As rosas daquele jardim...

Percebi que tudo aquilo permanecia intacto, como se alheio à passagem do tempo.

Despedi-me. Ali, um pouco de mim ficou. Deixei-me. Eternizou-se.

Desci as escadas. Coração apertado, esfacelado, aos frangalhos... E nos meus olhos, tatuava-se, naquele instante, a incerteza de que nos veríamos de novo.

Marejei, foi inevitável.

Deixei a 'Casa de Dona Sinhá' com seu filho lá dentro guardado. Parecia um menino: franzino, irrequieto, acuado. Parecia que clamava ao tempo. Indagava-o.

Maldizia-o, inconformado.

[ Adriana Gil, in 'Ontem, em Visita a Um Grande Amigo do Meu Pai: ALEX' ]

domingo, 7 de agosto de 2011

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Metade


Não é minha culpa se somos feitos assim,

metade contemplação desinteressada, e metade apetite.


[Czesław Miłosz, in Descrição honesta de si mesmo junto a um copo de whisky no aeroporto, digamos, em Minneapolis]