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" No Azul--qual uma esfinge--eu reino Indecifrada. " [Baudelaire]

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

இڿڰۣ— Now, your Wheel has flowers, my Captain இڿڰۣ—

Art by Vladimir Kush



Iremos juntos separados,
as palavras mordidas uma a uma,
taciturnas, cintilantes
- ó meu amor, constelação de bruma,
ombro dos meus braços hesitantes!
Esquecidos, lembrados, repetidos
na boca dos amantes que se beijam
no alto dos navios;
desfeitos ambos, ambos inteiros,
no rastro dos peixes luminosos,
afogados na voz dos marinheiros.

~Eugénio de Andrade


terça-feira, 25 de setembro de 2012


Sede assim — qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Flor que se cumpre,
sem pergunta.

Onda que se esforça,
por exercício desinteressado.


Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados já frios.

Também como este ar da noite:
sussurrante de silêncios,
cheio de nascimentos e pétalas.

Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E à nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.

À cigarra, queimando-se em música,
ao camelo que mastiga sua longa solidão,
ao pássaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocência para a morte.

Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Não como o resto dos homens.
 
~ Cecilia Meireles
 
Imagem: "Danae" - Gustav Klimt


terça-feira, 28 de fevereiro de 2012



Porque havia um visgo, em meio àquele siso
uma espécie de transcendental magnetismo: arterial
inexplicável: quando - das pontas dos dedos –
fazia brotar algo mágico, que lhes invadiam os sentidos

Porque havia entre eles um fluido imaginário
como amálgama pulsante, rutilante
ávida e retorcida
em um corpo de bem-querer
de sempre-sempre-se-querer

Mimetismo de corpos lassos
simbiose desmedida
trançar de espelhos
víscera virtual reprimida
que nunca imobiliza, arrefece, paralisa
nem - tão pouco - perde o compasso

Porque entre eles havia o limite
e o limite era espesso
o limite era como todas as distâncias:
de densos e imensos lamentos
de passos curtos, lentos
ornado por lânguidos e azulados laços

A cada instante revelado em forma de melindres
medos - receios - paúra
pesando sobre suas persistentes estruturas

Porque aquela ausência era doída
o avesso do avesso da ferida
era chaga aberta, invertida:
sangrando em sentido inverso, controverso
contra-o-verso

Era rosa-dos-ventos mutilada
apontando longínquas coordenadas


Em forma de bússola partida, sangrando: impávida.

~Adriana Gil

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

ela temia o fogo
- o sopro

mas com Ele sonhava
- voava

e seus segredos: alados, arados
em semeadura nova e esparsa
- nunca vã

eram soluços, espasmos
laços dados
desfeitos
em um peito inflamado

que floresciam invisíveis
sobre secreto prado
 ~ Adriana Gil

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

e assim você me faz:
trama arterial: alada e atrevida
de sal, água e coral

que sob quimérico vento boreal
aromas de azuis hibiscos insinua

fazendo surgir maremotos de desejos
incontidos – etéreos – abissais

todos eles
alheios à razão
 ~ Adriana Gil

imagem: Katsushika Hokusai (1760-1849)

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

 
Ontem, num céu de roubado anil
Através de alado mosaico
Eu senti que a noite caiu
Em forma de arabesco bordado
- Com curvas, tramas, traços
Revelando imenso desejo
De minh'alma que agoniza
Por mais um enlace com a tua

Então, foi assim que eu te criei:


Pedra em forma de encanto
Falo germinado em recanto
Desabrochado à beira mar

Era espelho bipartido
De avesso colorido
Como num cordel a figurar

Mágico relevo da tez
Amuleto que protege rei
Universo teu
Misturado ao meu nácar

Lira que assobia em luxúria
O azul que ardia em fúria
Em romaria à pele flambar

Calor que arrefece e incendeia
Fogueira d'água – lua cheia
O doce que tinha a poesia
Na boca tua que escorria

Estrela a noroeste
Jagunço com magnólia na veste
Em sua lapela a transpassar

Teu grito contido, resvala
Eu posso escutar tua fala

Na caixa de um silêncio inconteste



[ Para quem sabe, e comigo sente, para além do azul celeste... ]
 ~ Adriana Gil



Imagem: Chagall

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012


Quando a pupila contrai ao medo
E dilata ao te sentir
Eu juro - falo - canto
Que nunca, antes, te vi

E o coração pincela rara tela
Em sinuosos tons de 'Déjà vu'
Eu clamo - rogo - peço
Pra você me colorir

E o tempo que me interpela
acelera para eu prosseguir
Eu nego - arremesso - escalpelo
Tudo que até aqui senti

Mas a tatuagem é chancela
E inspirada foi por ti
Eu quero - sonho - desejo
O teu beijo antes de partir


 ~ Adriana Gil


Imagem: Chagall

a moça da caravela
- azul, ligeira, singela
que sonha a noroeste
e tece, num tímido entrelaçar
o que seria um bordado
enquanto um jagunço inspirado
não cessa de lhe encantar...

 ~ Adriana Gil
 

domingo, 1 de janeiro de 2012

Soneto das metamorfoses

 [Quando Adriana é Carolina...]


Carolina, a cansada, fez-se espera
e nunca se entregou ao mar antigo.
Não por temor ao mar, mas ao perigo
de com ela incendiar-se a primavera.

Carolina, a cansada que então era,
despiu, humildemente, as vestes pretas
e incendiou navios e corvetas
já cansada, por fim, de tanta espera.

E cinza fez-se. E teve o corpo implume
escandalosamente penetrado
de imprevistos azuis e claro lume.

Foi quando se lembrou de ser esquife:
abandonou seu corpo incendiado
e adormeceu nas brumas do Recife.

[Carlos Pena Filho]


quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

e assim você me vê:
mosaico segregado
pelo avesso arregaçado

lua nova invertida
dissolvida, inacabada
aberta e não casta

que orbita em sóis longínquos
de zinco
azulados

adornada por miçangas estrelares
e asteróides rutilantes

com lânguidos enfeites de um astro
desalmado - nacarado - apaixonante
que nem mesmo sei o nome
 ~ Adriana Gil
Imagem: Matisse