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" No Azul--qual uma esfinge--eu reino Indecifrada. " [Baudelaire]

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

TEMPO - TEMPO - TEMPO - TEMPO...

"Mãos Desenhando-se - Drawing Hands". Litografia de MC Escher - 1948 [http://letras.terra.com.br/caetano-veloso/44760/]
...Tinha uma cor encerada.

E os seus olhos - quase sem brilho - cortinados pela trama do tempo muito alva.

Por entre os dedos, a caneta hesitava em sua escrita.

Faltava-lhe firmeza.

Inevitável relembrar o que outrora fazia-se tão hábil.

Quando pelo papel deslizava sob impávidos movimentos harmoniosos e orquestrados.

Nos lábios, um longo suspiro atroz.

E algum lamento emudecido.

Não vi seu sorriso... Já não o tinha mais?

Na testa, um franzir dos descontentes, entediados e descrentes. Na memória da carne, vestígios de amor ateu, marginal e persistente.

Nas paredes, seus inseparáveis e coloridos talismãs.

Aquele era o Tempo. Que, sem remorso, esvaia-se impiedoso por aquelas - por agora - tão imprecisas mãos.

O tempo personificado frente aos meus perplexos olhos. Olhava-me Ele com ares de irremediável vacilo, paúra terçã, vergonha absoluta.

Demudado num corpo de indecifrável, decadente e indelével Esfinge.

No entanto, apesar do tempo, apesar de tudo, Aquela Casa mantinha imaculado o seu frescor. E, mais ainda, íntegros os seus rastros, emblemas, odores e traços... Delineados no cheiro que tinha aquele quintal. No bolo de milho a assar. No Menino que indo buscar o jornal, deslumbrava-se com a chuva que colorida escorria pelo vitral. E com as carambolas que pousavam a pintar o enlodado chão.

A cozinha com aromas de alho, coentro, fermento e sal. Raios de lua refletidos à beira do portal. Estórias de 'Comadre Florzinha'. Sabiá em sua gaiola a cantar.

Meninas rindo à toa. Panos de prato no varal. Cachorro manco e amuado. Papagaio ranzinza e pornográfico. Restos de um Carvanal. Crônicas em tom Outonal.

'Dama da Noite' a repousar sob o sol.

A sombra do fruta-pão.

Aromas de alecrim.

Nuances da flor do jasmim.

Lamento de lavadeira misturado à água fria e sabão.

Máquina de coser faltando um pedaço.

Estilhaços esquecidos do passado.

O gosto que tinha a romã.

As rosas daquele jardim...

Percebi que tudo aquilo permanecia intacto, como se alheio à passagem do tempo.

Despedi-me. Ali, um pouco de mim ficou. Deixei-me. Eternizou-se.

Desci as escadas. Coração apertado, esfacelado, aos frangalhos... E nos meus olhos, tatuava-se, naquele instante, a incerteza de que nos veríamos de novo.

Marejei, foi inevitável.

Deixei a 'Casa de Dona Sinhá' com seu filho lá dentro guardado. Parecia um menino: franzino, irrequieto, acuado. Parecia que clamava ao tempo. Indagava-o.

Maldizia-o, inconformado.

[ Adriana Gil, in 'Ontem, em Visita a Um Grande Amigo do Meu Pai: ALEX' ]

4 comentários:

  1. É por isso que eu gosto da blogosfera - sempre corro o risco de encontrar blogs cheios de beleza, como esse aqui. Gostei muito daqui e também das suas fotos no Fickr. Identifico-me muito com o seu olhar. Também te adicionei lá!

    Seja sempre bem-vinda ao compartimento Secreto.

    Saudações,

    Margot Félix

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  2. Margot,

    Tanto na imensidão Blogosférica, quanto no vasto universo Flickirano, os teus
    'compartimentos', além de secretos, guardam grandes e inspirados achados, capazes de emocionar e fazerem-se registrados - ad eternum - na memória das mais exigentes retinas...

    Confesso que as tuas fotos do Flickr também muito me disseram... Por lá ter encontrado sensíveis e inusitados registros de fabulosos e fálicos antúrios cor-de-rosa...; detalhes simétricos e poéticos de um velho tamborete...;sombras que insinuam meandros...; contornos e recôncavos a faiscar sob alguma preciosa luz... Enfim, emblemas - tão teus - secretamente guardados em compartimentos de infinita beleza...

    És muito bem vinda às minhas águas!

    Um xero!

    Adriana

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  3. Tua luz é tão doce , é tão envolvente, musical, este teu olhar é ímpar. Me desculpe , você já notou que eu não resisto. É mui encantador o teu blog. Sonoros aplausos!!!

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